
outubro 15, 2009
setembro 09, 2009
Do divisor de águas à margem do deserto
título para a publicação (3º título...)
Esta publicação talvez se torne 1 único pôster - a idéia inicial era tentar mostrar a seqüência das, ou ao menos enumerar, várias faces que o projeto já teve. Mas é coisa demais para que eu mesma edite. Ainda mais há apenas algumas semanas da exposição.
Já vi que não vou conseguir fazer um memorial relativamente completo sobre o processo deste trabalho para a bienal. Mas vou indicar o ponto de partida porque é prático, já me lança de volta para o ponto onde estou. Vejamos se o desenvolver do texto se auto-explica.
Então busquei no filme Stalker, do Tarkovsky, a referência para atiçar minha memória sobre as relações entre umidade e área fronteiriça da consciência. Isso porque haveria água no galpão. Nele todo. Encharcado era a palavra que a Laura costumava usar quando se referia ao espaço.Eu queria “lembrar” de umidade e fronteira de consciência porque falávamos de fluxos de delírio a partir daquele ambiente. Desde então comecei a pensar em duas qualidades de água. Eu estava no divisor de águas, queria essa linha divisória sem ambigüidades e que uma vez num campo, ou no outro, a experiência seria totalmente “única”, sem contaminações de um campo no outro, ainda que ambos fossem líquidos. Eu estava no divisor de águas.
Enquanto isso, no Stalker, 1 professor, 1 escritor e 1 stalker caminham em direção à Zona e conversavam:
- Neste caso vou esperar vocês aqui até que vocês retornem. (professor)
- Impossível, não retornaremos. (stalker)
- Tenho água o bastante. (professor)
- Ainda que retornássemos, não seria pelo mesmo caminho (stalker)
/ como pretender fazer este memorial senão a partir dessa impossibilidade?/
Do divisor de águas à margem do deserto
Saiu a água, e desde o salto para esse novo lugar, venho somando precipitações.
Toda nova idéia, antes de se acomodar e se fazer reconhecível em mim, já sofre uma pressão de ser formatada num projeto. Pressão minha, necessidade profissional de um trabalho cuja realização atravessa uma série de instâncias que eu não controlo nem determino.O que me cabe definir, o trabalho (conceito, material, orçamento, mão de obra, empresas terceirizadas, esquema de montagem) partiria de uma próxima idéia a partir deste novo lugar. Areia areia areia, deserto. O residual das idéias que passam é um sentimento forte de precipitação. Daí a insistência da imagem das ondas que, apesar de remeter à presença anterior da água, se justifica pra mim através desse movimento das idéias que se anunciam, se formam, avançam e quebram. Tornam a se anunciar, formar, avançar (avançam sempre muito pouco porque o tempo é curto) e quebram. Quebram rápido porque vêm sem força? Quebram rápido porque não se tem tempo de observar e alimentar seu avanço? Enfim, preciso manter alguma precipitação em suspenso para ter algo em mãos.
(Insistindo na onda como precipitação.
Posso fazer um molde para a onda, porque ela é algo que se precipita, mas que eu quero em suspensão...)
wikipedia -
‘A precipitação é a formação de um sólido durante a reação química. O sólido formado na reação química é chamado de precipitado e resulta numa substância insolúvel.
A formação do precipitado é um sinal de mudança química. Na maioria das vezes, o sólido formado "cai" da fase, e se deposita no fundo da solução (porém ele irá flutuar se ele for menos denso do que o solvente, ou formar uma suspensão).
setembro 01, 2009
A / C
Hoje preenchi a legenda da obra:
Margem, 2009.
Site specific
O site specific acontece no meu trabalho principalmente porque cresci num ambiente e atuo em contextos institucionais em que fui e sou “desafiada” a me posicionar a partir de soluções provisórias. Acho que acabei desenvolvendo um talento pra isso. Nada de gambiarra, ao menos não no sentido festivo. Mas, de qualquer forma, chamar de site specific é amortecer uma resposta que é mais reveladora de uma condição praticamente imposta, do que propriamente uma filiação a práticas conceituais de onde o termo partiu.
Pensando na margem solúvel, preparo o corte na onda com baldes de areia. A margem do deserto vira um flerte com o inóspito porque o margeia. O flerte sendo um modo de fluir em contextos que não contribuem para a fluência (miragem de desenvoltura num ambiente de resistência).
Mas a margem do deserto é também aquela margem de erro que precisei absorver depois de tantas precipitações. Me sinto mais contemplada se trabalho nessa borda e deixo-a passível de desmoronamentos se alguém, ou eu mesma, chuta um ou outro balde.
agosto 08, 2009
A / C
Absurdo. O Brasil é um absurdo. Até aí, tudo bem. Vamos à mostra. Que é bienal, e aos solavancos. Até aí, tudo bem? Viver o processo todo, esse peso
Meu trabalho pra bienal vai ser a precipitação de ondas na areia com dorsos de manilha à mostra. Ou um só dorso ponteado por uma babosa, umidade e verdura. A crista da onda. Ainda não estou bem certa. Gosto da expressão, crista da onda e da idéia de que a crista é o momento anterior à precipitação e destruição. Como fazer uma onda de areia de sustentar nesse espaço de grande circulação? Vai ser difícil... impossível talvez. Fico pensando que esse meu trabalho é uma escultura, não um site onde as pessoas possam entrar. Não sei...tenho que trabalhar mais.
Gosto das manilhas, e da idéia de rompimento delas. Das manilhas como que à deriva na areia... boiando na areia? Fico pensando em ladrilhá-las com caquinhos de cerâmica vermelha. Como o piso de um quintal suburbano, de lugar quente, servindo de entranha das manilhas... mas não sei se é narrativo demais....não sei. Daí penso nos ladrilhos dentro da salinha, primeiro andar da construção (pequena casa) que há no galpão. As dimensões da sala e da casa são muito boas... íntima, individual, é uma casa de uma só pessoa, Me remete direto à escala do corpo de uma só pessoa. O ladrilho vermelho no chão daquele casa, no primeiro andar, reforçando o calor do interior. E uma torneira de plástico na altura do sexo. Não sei se isso é “inteligível”, mas me parece bem diferente... porque a torneira poderia estar para as mãos, ou para uma mangueira... mas à altura do sexo, se prontifica, se oferece no meio das pernas. Tenho que ver se dá pra apontar isso direito...
agosto 01, 2009
A / C
Agora não temos mais a água. O futuro chegou. Tudo indicava, mas era preciso esperar que o futuro chegasse. Agora tenho duas semanas pra repensar minha sobrevivência naquele galpão, cheio de areia... deserto como diz a Laura. Fazer algo pulsar nesse deserto. Ainda estou apegada ao divisor de águas e ao redemoinho...fazia sentido realiza-los. Mas é isso, tem que fazer um sentido maior, assentado no contexto maior, da bienal... e eu, topei fazer um site especific. Aliás, ando viciada nessa aventura de ser lançada em contextos maiores, suscetíveis a uma gama de forças em que a minha entra assim, depois, moldando alguma coisa. Isso é bem legal, mas consome pra caramba. Seria natural deixar uma poça... mas pra mim, é como se eu resistisse ao deserto, e estou a fim de entrar nele como entrei totalmente no tanque de água.
abril 23, 2009
A / C
Lendo um artigo (de um cara chamado Luiz Carlos Oliveira Jr.) sobre o filme Stalker, fui reconhecendo, não apenas o filme, mas minha sensibilidade..., isso dá um belo conforto. O Machado de Assis tem uma declaração muito contundente sobre a mazela dos que não descobriram o prazer da cultura... dizia ter pena dos ‘ignorantes/iletrados’ não porque fossem pessoas incapazes, mas porque estavam irremediavelmente presos em suas solidões ontológicas. Faz falta essa consciência por aí...não? Ou é arrogância minha? Bom, mas separei uns trechos do artigo e grifei umas frases mais caras pra mim.
Stalker não é um filme cerebróide, hermético, que segue a linha da "ficção-científica para iniciados" e faz disso seu objetivo. É antes um filme que pode ser visto abstraindo-se toda sua carga de significação mais complexa (que lá está de forma latente) eatendo-se tão-somente aos seus aspectos mais básicos.
O filme gira em torno de uma idéia central perfeitamente bem acabada. Mas qual seria essa idéia? A busca da fé, a reconciliação com um imaginário fundador, a odisséia de curados medos e desinquietação das pulsões? (Nas grandes obras de arte, é comum perdermos de vista a idéia central, que, de tão coesa, atua até mesmo invisivelmente.) A atmosfera peculiar deStalker emerge como resposta do meio-ambiente ao filme. Os corpos, os objetos, as paisagens, o vento, a neve, tudo no filme responde a essa idéia que não sabemos exatamente o que representa, que não mostra sua face definitiva (ainda que o final entregue algumas de suas coordenadas), mas que incrivelmente existe e é o que fornece solo firme para o filme ser o que é: um estudo cuidadoso sobre a movimentação de corpos e a topografia de uma superfície (da imagem, dos rostos, das paredes) para além de qualquer noção prévia de profundidade.
A aparência é o que recobre todas as coisas, é a pele do filme, mas também sua medula (não custa lembrar que a origem embrionária do sistema nervoso central é ectodérmica). E por que ultrapassar a superfície, se quem olha (dentro do filme e para o filme) não acredita na profundidade? "Eles não têm fé!", reclama o Stalker, personagem que será descrito mais adiante.
"To stalk" é um verbo inglês, que significa caminhar pé ante pé, dar passos longos, marchar titubeando. É o andar característico de quem invade um território desconhecido, e pode significar também caçar um animal ocultando-se atrás de outro. Uma forma bastante peculiar de aproximação e de perseguição – quase uma dança.
Cada personagem tem sua marcha própria, sua envergadura física, sua "presença orgânica". Tudo é orgânico em Stalker, incluindo a água, a terra, o vento, o fogo, tudo. A recorrência dos quatro elementos na obra de Tarkovski, como bem sabemos, tem muito mais uma função física do que simbólica. A água possui uma aparição constante em Stalker, o filme mais úmido da história, e sua importância está justamente na sua natureza, ou seja, em ser uma matéria primitiva, um dos constituintes fundamentais e preponderantes de tudo que existe no mundo, a começar pelos homens. E não é só a imagem-miríade da água (lago, poça, chuva, goteira), é também seu som em diversas modalidades (ora um barulho de cachoeira, ora um gotejar que ocupa praticamente toda a banda sonora). Embora passe por entre os dedos, a água tem um peso. Embora passem perante nossos olhos e não voltem, as imagens de Tarkovski têm um peso: a densidade não só do tempo que elas materializam, mas também do estranhamento que, mesmo terminado o filme, não se esgota em nenhuma interpretação.
Mas a verdadeira motivação de sua ida constante àquele lugar se explica numa cena das mais bonitas: logo que eles chegam nas imediações da Zona, o Stalker se atira ao chão e chafurda o rosto no capim, como a absorver o vapor da terra, se alimentar do húmus. Nesse momento, vem à mente uma parábola contada no filme seguinte de Andrei Tarkovski, Nostalgia. A parábola consiste num homem que vê outro se afogando num lamaçal e vai a seu resgate. Quando chegam à margem e o herói pergunta ao outro homem se está tudo bem, este último responde injuriado: "Seu tolo, é lá que eu moro". Do mesmo modo, a mulher do Stalker dá um ataque histérico no começo do filme, tentando impedi-lo de ir à Zona, mas o que ela não percebe (na verdade, finge não perceber) é que ele pertence àquele limbo. O Stalker é o tecido de transição entre o Escritor (com sua garrafa de vodka embrulhada numa sacolinha plástica) e o Professor (com sua mochila de suprimentos e artefatos secretos).
abril 12, 2009
A / C
Chegamos a falar da presença do filme The Stalker na minha interpretação da sua curadoria? Estava introduzindo a Paulinha, uma moça talentosa que está começando a trabalhar comigo, às questões em que me vejo envolvida para este trabalho da "Absurdo", e pensei em te mandar parte do que escrevi pra ela ...não sei se é 'esoterismo' meu, mas me parece que esse processo angustiante do VAI não VAI dessa água, é o processo natural dessa curadoria. Isso talvez sugestionada pelo teor de angústia do filme... enfim, queria compartilhar isso contigo. Vamos indo, aliás seguindo.
...É um filme em que 3 personagens partem para experimentar uma zona proibida, onde as pessoas podem experimentar seus mais profundos desejos. Na verdade, dois dos personagens são guiados pelo Stalker, que é uma espécie de maldito/bendito - paralelo ao papel do artista... A realização dos desejos é abordada como uma experiência muito dolorosa, de enfrentamento do desconhecido que torna aqueles que a experimentam seres à parte na sociedade. Desde que comecei a pensar no trabalho para a Bienal, esse filme tem estado presente. Me parece que a curadoria da Laura poderia ser discutida como uma criação dessa zona proibida: desejos loucos, absurdos, amedrontadores, que flutuam sobre as águas, pulsam nelas, nos fluídos, e no incontrolável dos líquidos... coisas assim ( me entusiasmo na breguice estilística desse texto?).
Tem um momento em que o Stalker explica aos outros porque é necessário que eles partam para uma viagem tão solitária em busca de seus desejos. Ele diz que na presença de pessoas, caminhos seguros se tornam intransitáveis, cheios de armadilhas mortais. Mas é nesta zona proibida que os desejos se realizam. Muitas pessoas voltam no início do caminho. Outras morrem na entrada. Naquela zona, apenas os que já não têm nenhuma esperança conseguem adentrar. Os infelizes. Não os bons ou os maus, mas os infelizes. São estes os que buscam mesmo sem mais esperar.
Bonito, né?
março 30, 2009
A / C
Te envio alguns desenhos pra gente conversar.
Não são exatamente desenhos de projetos, mas espero que sejam boas traduções da idéia.
Estou pensando em fazer dois redemoinhos, cada qual seguindo uma certa natureza do solo onde se instala. Você vai ver isso no desenho8. No piso ladrilhado teríamos as portas giratórias (talvez de inox) e no chão movediço (areia, ou lama), teríamos um redemoínho embutido, não visível.
No último desenho, escrevi o seguinte texto:
atuar no chão para definir a força com que as pessoas terão que fazer para caminhar. A qualidade ora absorvente, ora devolutiva do piso/solo será a oportunidade de público perceber-se enquanto corpo no espaço.
- pra mim, seu ponto de partida com a água, sugeriu uma experiência imersiva.
Bom, estou pensando ainda sobre os dois campos opostos. Um com chão ladrilhado, outro com lama ou areia (vou fazer uns estudos, estou pensando em fazer uma espécie de colchão de areia ou lama, para que esses materiais não flutem. esse colchão estaria no mesmo nível que o chão ladrilhado). Gostaria que o meu chão ocupasse todo o galpão... não sei se isso será possível em relação ao trabalho dos outros artistas, mas acho um pouco ruim que esses dois campos tenham uma moldura, entende? Seria importante se o trabalho fosse todo o chão do ambiente...mas, vamos conversando.
Aliás, me diga uma coisa: quais os dados da nota? digo, já tem os dados que devem constar nas notas de produção? preciso começar a testar esse chão de areia ou lama...